A família de Maristela Stringhini soube da divulgação pelo WhatsApp das imagens dos ferimentos que ela teve ao ser arrastada por cerca de 700 metros em Rio do Sul. O cunhado da vítima Alencar Donizete Correia, 48 anos, conta que cobrou da Polícia Civil uma investigação sobre o caso:
– Essas imagens vazaram do hospital ou da própria polícia. O delegado responsável pelo caso prometeu apurar à medida que a investigação do caso for concluída.
Apesar das consequências para quem foi exposto nas redes sociais em uma circunstância como a de Maristela, do ponto de vista jurídico a divulgação ofensiva não termina na prisão do autor, já que não se considera crime o compartilhamento das imagens. Mas a vítima ou a família que se sentir prejudicada pode entrar com uma ação civil cobrando indenização de quem distribuiu as fotos.
O que está em jogo nesse caso é o direito à imagem e à intimidade. Em outras palavras, significa que a imagem só poderia ter sido divulgada com autorização da pessoa fotografada ou filmada. Mas, segundo o professor Luiz Magno Pinto Bastos Junior, do curso de Direito da Univali, geralmente essas disputas na Justiça não têm um desfecho. Ou seja: o juiz não acata o pedido por achar que não se justifica a indenização.
– Entra aí um outro lado: caso o fato tenha acontecido em espaço público, como a rua, deve ser considerado o direito de opinião e informação – ressalva Bastos Junior.
Quando fixa indenização, a Justiça avalia ao menos três pontos: a condição financeira do réu, o dano que a divulgação das imagens causou à vítima e com que objetivo o réu disseminou o conteúdo.
Apesar de se sentir triste com a exposição a que a irmã foi submetida, Marli Morais Canani, 48, enxerga um lado positivo nas redes sociais, que têm possibilitado a Maristela receber mensagens de apoio. Em oito dias a página no Facebook criada para pedir justiça para o caso já tem mais de 12 mil seguidores. O delegado Daniel Garcia não atendeu aos telefonemas para falar sobre as investigações.
A dor alheia em exposição
Nem o condutor da Saveiro nem o da moto se feriram. Maristela, por sua vez, teve queimaduras nos braços, costas e pernas. E por causa do contato do corpo com o asfalto, teve os seios mutilados. Apesar da gravidade do caso, usuários do WhatsApp não se sentiram perturbados em ver e disseminar tais imagens.
A psicóloga Christine Gabel explica que o interesse por conteúdos dessa natureza é antigo. O que ela chama de situação mórbida, a vontade das pessoas em esquadrinhar detalhes de uma tragédia, tornou-se parte do comportamento humano. Curiosidade em vez de repulsa não é novidade. O novo agora é o acesso a redes sociais, que permitem propagar imagens na velocidade de um vírus, e a celulares sofisticados, que geram fotos e vídeos de qualidade cada vez superior.
– A tecnologia potencializa esse traço comportamental – explica Christine.
Em alguns casos, soma-se a esses elementos o pouco apreço aos limites:
– Pessoas assim só se preocupam em satisfazer as próprias necessidades.
Dois dias antes do acidente de Maristela, uma página sobre o bairro da Velha no Facebook, curtida por pouco mais de 3 mil pessoas, publicou a foto de um corpo carbonizado em um acidente na BR-470. Usuários postaram mensagens criticando a divulgação da imagem e pedindo a retirada. Entre acusações de sensacionalismo e falta de respeito com a vítima e a família, a imagem foi excluída. No entanto, continuou circulando pelos grupos de WhatsApp.
Mestre em Tecnologia da Informação, a professora da Univali Heloisa Helena Leal Gonçalves aponta que a troca ou publicação dessas informações está ligada à necessidade de integrar um grupo. Para ela, a rede é apenas o espaço onde isso ocorre. Se na virada do século a moda era compartilhar por e-mail mensagens em Power Point, agora o fenômeno é disseminar conteúdos mais agressivos.
– Acho que a gente não vai conseguir coibir isso. O que se pode fazer é um trabalho de conscientização na escola, na família – afirma Heloisa.
Jornal de Santa Catarina