Política

Dois meses depois, caso de menina morta em Rio do Sul segue sem desfecho

Polícia desconhece quem matou Ana Beatriz Schelter, 12 anos, e nem a causa da morte. Envolto em dúvidas, caso chocou a cidade e intriga a família.

Dois meses depois, caso de menina morta em Rio do Sul segue sem desfecho Ismael e Cláudia Schelter (Foto: Patrick Rodrigues / Agencia RBS)

O segundo dia de março era apenas mais uma quarta-feira comum. Ana Beatriz Schelter, 12 anos, passou a manhã em casa com o pai – que havia entrado em férias no dia anterior – almoçou ao meio-dia e, pouco antes de o relógio marcar uma da tarde, pegou sua mochila e saiu em direção à escola. Ela morava às margens da BR-470 em Rio do Sul e fazia esse caminho todos os dias. Saía de casa, seguia pela margem da rodovia até uma passagem onde cruzava a pista e caminhava até a escola Professor Henrique Silva Fontes. Um trajeto de pouco mais de um quilômetro.

Neste dia, no entanto, Ana Beatriz desapareceu neste caminho e sua história ganhou um traço trágico e chocante para a família e a cidade. A tímida garota nunca chegou à escola no dia 2 de março, não voltou para casa ao fim do dia e foi encontrada às 9h do dia seguinte, morta, dentro de um contêiner em uma empresa há 2,4 km da sua escola. Passados mais de dois meses, nem a polícia nem a família de Ana têm respostas para o que aconteceu com ela entre às 13h da fatídica quarta-feira e o momento em que ela foi encontrada no dia seguinte.

Poucas das muitas perguntas até agora foram respondidas. A Divisão de Investigação Criminal (DIC) de Rio do Sul é quem coordena o caso e o delegado Almiro Costa, responsável pela investigação, a considera a mais difícil de sua carreira. Até o momento nenhum dos rastros parece ter levado a uma resolução do caso. A perícia comprovou que Ana Beatriz morreu entre 14h30min e 15h do dia 2 de março, ou seja, menos de duas horas depois de ter desaparecido. A causa da morte não foi provada até agora.

O corpo da menina foi encontrado dentro do contêiner de 3 x 2 metros no galpão de uma empresa de banheiros químicos, pendurado em uma corda que simulava um suicídio – ato descartado pela perícia. Havia sinais de violência sexual, mas um resultado de exame recebido nos últimos dias comprovou a ausência de sêmen nas partes íntimas da menina. A próxima esperança dos investigadores é um exame de sangue que deve comprovar se ela foi ou não drogada durante o assassinato, mas o resultado ainda não tem data para chegar.

– A investigação no momento está descartando suspeitos. Vários elementos não levaram a nada e é um caso extremamente complexo. Tínhamos vários suspeitos no início e agora estamos focando em alguns, especialmente pessoas próximas à vitima – explica o delegado regional de Rio do Sul, Daniel Sclifo Zucon.

A polícia trabalha com a hipótese de pessoas próximas à menina para tentar explicar como ela foi raptada à luz do dia, em uma região movimentada e em frente a diversas empresas. Câmeras de segurança de estabelecimentos mostram Ana Beatriz saindo de casa e fazendo seu caminho normal, até que, em um espaço entre as gravações, desaparece das filmagens sem nenhum tumulto aparente. A mochila que ela carregava no dia, além de um casaco e um celular, nunca foram encontrados. De acordo com a polícia, o celular foi desligado pouco após ela ter desaparecido, sem dar nenhum indício para o acontecido.

"Ninguém está preparado para algo assim", diz homem que encontrou o corpo da menina

Marcel Albuquerque parece ter o dia 3 de março gravado em sua memória. Funcionário da empresa de banheiros químicos e único responsável pelo terreno às margens da BR-470 onde ficam os equipamentos, foi ele quem encontrou o corpo de Ana Beatriz dentro de um contêiner usado como depósito. Nascido na pequena cidade de Vargem, na Serra catarinense, o homem de 45 anos estava em Rio do Sul há 30 dias quando viveu algo que deverá o marcar pelo resto da vida.

– No dia anterior eu tinha passado aqui para fechar o portão perto das 18h. No dia seguinte cheguei umas 8h10min depois de deixar meu menino na escola. Quando entrei com o caminhão vi o contêiner com a porta aberta, mas não tinha nada de valor lá, só uns pneus velhos e umas mangueiras. Estacionei o caminhão, engatei a carretinha e fiquei quase uma hora arrumando as lâmpadas da carreta que estavam estragadas. Quando estava saindo fui fechar o contêiner e vi alguém. A menina estava lá no fundo do contêiner, pendurada, com a corda no pescoço. Tava escuro, pensei até que fosse um manequim, uma brincadeira de mal gosto. Quando olhei bem vi o uniforme da escola e vi que era uma pessoa. Deu um susto, não sabia o que pensar na hora. Meu telefone estava em casa, peguei e fui em casa ligar para a polícia – relembra.

Preservado do jeito que estava no dia, o contêiner ainda têm marcas do sangue de Ana Beatriz, mas a perícia confirmou que não foi lá que ela morreu. A menina foi morta em outro lugar e, pela ordem dos fatos, levada depois das 18h para o galpão da empresa, quando não havia mais ninguém lá. Apenas com um portão de madeira, o local não é completamente cercado e de fácil acesso por qualquer um, ao lado de um matagal e de um rio.

– Procuro nem pensar muito nisso. Ninguém está preparado para encontrar algo assim, é chocante. Fico pensando na menina, na família dela. Penso que poderia ser com qualquer um. Tenho dois filhos, um de 15 e um de 20, e a gente veio pra cá achando que era uma cidade tranquila – lamenta Marcel.

Ana Beatriz Schelter é descrita por todos que conviveram com ela como uma menina tranquila, pacata, tímida e de poucos amigos. Ao contrário de outras colegas da mesma idade, que já afloram a adolescência, mantinha um ar infantil e inocente. Religiosa, usava roupas simples, saias compridas e ainda não se maquiava. Quando algum menino da escola falava em namoro, ficava vermelha e contava aos pais.

Ismael e Cláudia Schelter carregam hoje um ar de exaustão após dois meses abalados pela perda da filha. Preocupados, querem justiça pela filha para dar algum conforto ao irreparável.

– A minha filha está enterrada, ela está lá, não vai mais voltar. Mas a família precisa de justiça, saber que quem fez isso não vai fazer de novo. Estamos tentando correr atrás, buscar solução, pedir ajuda de advogados. Sabemos muito pouco sobre o caso, a polícia diz que está em sigilo e não podem falar – conta o pai da menina.

Ismael trabalha em uma indústria como jateador de ferro, enquanto Claudia é auxiliar de serviços gerais em uma fábrica. O casal morou por sete anos em Blumenau, no bairro Ponta Aguda, onde Ana Beatriz nasceu em 2003. Em 2008, após a enchente que atingiu o município, mudaram para Rio do Sul. Lá, a menina cresceu com tranquilidade. Brincava dentro de casa, ia na casa da avó e acompanhava os pais na igreja. Sonhava em ser repórter de televisão, assistia aos jornais com os pais e ficava encantada com a beleza das jornalistas na TV. Seu sonho, no entanto, foi interrompido, assim como o dos pais em ver a filha formada. Ismael lamenta:

– A dor tá muito forte, é muito difícil chegar em casa e ver que a filha sumiu. Você quer futuro para o seu filho, quer que ele cresça. E eu tinha esse objetivo, era tudo que pai e mãe têm pra dar para o filho, é estudo. A gente queria que ela tivesse um futuro próspero. Acabou o sonho da minha filha quando mataram ela. Acabou o sonho dela e do pai e da mãe. Pra minha filhinha pequena também, ela tem dois anos mas sente falta da irmã, bate na porta do quarto da mana e chama por ela. Às vezes sentava aqui nesse sofá e 18h quando ela chegava ela se jogava em cima de mim e me beijava. Não tem como explicar a sensação de um pai enterrar a filha. Preferia deitar no lugar dela e a tirar do caixão.

Caso mobilizou a comunidade

O trágico fim de Ana Beatriz comoveu os 803 alunos da Escola de Educação Básica Professor Henrique da Silva Fontes, no bairro Canta Galo. Ela estudava lá desde a metade de 2015, quando veio por transferência de outra escola. Estava no sétimo ano do ensino fundamental, era uma boa aluna, tirava notas altas e não fazia bagunça. A professora Rosemari Morastoni de Lima deu aulas de artes para Ana Beatriz e a lembra como uma menina muito tímida, discreta e com ar infantil. Em uma aula, Rosemari pediu que a turma fizesse um desenho livre, para conhecer melhor o traço de cada aluno. O de Ana marcou a professora como um dos mais inocentes. Uma paisagem com casinhas e o desenho singelo dos pais.

No dia em que a menina desapareceu, o pai dela foi até a escola procurá-la e avisar os professores, que confirmaram que ela não tinha ido à aula. No dia seguinte pela manhã a diretoria soube que o corpo havia sido encontrado. Policiais estiveram no local, falaram com professores e colegas de classe da menina, mas nada pareceu indicar um desfecho para a história.

A aflição causada pelo crime mobilizou os professores, que organizaram com os alunos uma passeata na Avenida Ivo Silveira, próximo a escola, contra a violência infantil. Pelo menos 300 pessoas foram às ruas motivadas pela história de Ana Beatriz no dia 12 de abril.

– Se passaram 70 dias e ninguém sabia de nada. Ficamos em uma insegurança, pois aconteceu com uma aluna nossa e várias outras crianças fazem o mesmo caminho que ela todo dia. O aluno não pode ter medo de ir à aula – comenta a assessora de direção da unidade de ensino, Jociara Sardo.

Jornal de Santa Catarina 

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