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A segurança das barragens contra cheias no Vale do Itajaí

Estrutura de José Boiteux é a que mais preocupa entre as três destinadas a contenção de cheias na região.

A segurança das barragens contra cheias no Vale do Itajaí Barragem Oeste, de Taió (Foto: Patrick Rodrigues)

 

Barragem passou a ser sinônimo de aliada na prevenção de enchentes desde a década de 1970 no Vale do Itajaí. As três principais estruturas desse tipo na região ficam em José Boiteux, Ituporanga e Taió, no Alto Vale. Elas foram erguidas para reter parte das águas dos afluentes que formam o Itajaí-Açu e minimizar o efeito das cheias em períodos de chuva. Mas após segundo rompimento de barragem em três anos em Minas Gerais, a segurança dessas estruturas de todo o país passou a ser motivo de preocupação.

As barragens do Alto Vale têm diferenças quando comparadas às de rejeitos de mineração. Enquanto a mineira é feita com o próprio resíduo de minério e armazena rejeitos que ficam lá em definitivo, as de defesa contra inundações só armazenam água por um período específico, geralmente em época de chuvas, e são construídas em concreto – no caso de Taió – e concreto com misto de argila e enrocamento – em Ituporanga e José Boiteux. Além disso, elas têm comportas, abertas para reduzir a pressão sobre o barramento. Mesmo assim, em caso de eventual rompimento, as barragens do Alto Vale também provocariam uma destruição grande nas cidades da região.

No relatório de fiscalização da Agência Nacional de Águas (ANA), de 2017, as três barragens não têm classificação de risco nem de danos potenciais em caso de rompimento. O secretário de Defesa Civil de Santa Catarina, João Batista Cordeiro Neto, explica que, embora não conste do relatório, essas três estruturas são de baixo risco, mas apresentam alto potencial de dano caso ocorra ruptura.

O mesmo relatório da ANA também indica que as três construções não têm plano de segurança, nem de ação em caso de emergência. A Defesa Civil de SC responde que ambos os planos foram elaborados no segundo semestre de 2018.

Das três barragens de proteção contra cheias, a que mais preocupa é justamente a maior construída para a contenção de cheias do país – a Barragem Norte, em José Boiteux. A estrutura tem capacidade para armazenar 357 milhões de metros cúbicos, 28 vezes mais do que a barragem de rejeitos que se rompeu em Brumadinho.

Os problemas ali decorrem da falta de manutenção e de conflitos com comunidades indígenas. Em 2014, índios invadiram a barragem para reivindicar pontos como um estudo de impacto socioambiental, que nunca foi feito, e obras como a elevação de estradas e construção de uma ponte. Isso porque, segundo a Defesa Civil, quando a barragem entra em operação, oito comunidades indígenas ficam isoladas. Nos conflitos, parte da estrutura de comando foi danificada.

Em caso de chuvas, a Defesa Civil garante que consegue operar, mas para isso precisa do auxílio de um caminhão e de uma bomba externa para poder abrir e fechar as comportas. Para conseguir normalizar o funcionamento e operar com a estrutura que existe na barragem, é preciso recuperar os comandos elétricos, eletrônicos e a bomba hidráulica. O conserto dessa parte da estrutura depredada é estimado em R$ 5 milhões.

 

Barragem Sul, de Ituporanga, recebeu troca de grades que protegem as comportas

Barragem Sul, de Ituporanga, recebeu troca de grades que protegem as comportas (Foto: Patrick Rodrigues)

 

Moradores têm receio, mas técnicos afastam risco

Segundo líderes indígenas, duas comportas estão estragadas e duas estão funcionando. Um motor que ajudava na operação também foi retirado há algumas semanas, de acordo com eles. Depois da tragédia em Brumadinho, a preocupação com a barragem na cidade aumentou. O prefeito de José Boiteux, Jonas Pudewell (PSD), confirma que o receio já existia e ficou maior nos últimos dias:

– Não tenho conhecimento técnico, mas se vier a acontecer algo, vai ser grande. A gente se preocupa.

Apesar dos receios, o secretário de Defesa Civil de SC garante que não há risco de rompimento.

– A situação que mais nos preocupa é a de José Boiteux. Esse risco (de rompimento) não tem, mas como está em conflito com a comunidade, quando vai operar tem que tratar com ela, às vezes envolver Polícia Federal. A relação melhorou, visitamos as aldeias e teremos um grupo de trabalho para dar celeridade a isso – diz Cordeiro.

Como a barragem de José Boiteux está em território da União,

o Estado cobra do governo federal o envio de R$ 18 milhões para construir o canal extravasor e fazer o estudo socioambiental.

O pedido é alvo de um processo judicial e já esteve entre os motivos de uma visita do governador Carlos Moisés da Silva a Brasília. O Ministério do Desenvolvimento Regional informou que os projetos solicitados foram recebidos no dia 25 e serão analisados.

Só depois dessas melhorias é que o Estado deve assumir oficialmente a propriedade da área.

 

Barragem Norte, em José Boiteux, é a maior do país para contenção de cheias

Barragem Norte, em José Boiteux, é a maior do país para contenção de cheias (Foto: Patrick Rodrigues)

 

Estrutura de Taió é considerada a mais segura entre as três

A barragem Oeste, de Taió, tem as melhores condições. Por lá, a pendência existente hoje é apenas o sistema de acionamento do canal extravasor – uma passagem a mais de água criada para esvaziar o reservatório com mais rapidez quando há mais chuva por vir. Hoje, é feito com um guincho mecânico, mas o governo do Estado espera lançar, em até duas semanas, a licitação para adquirir o acionamento hidráulico. Com isso, vai ser possível colocar em prática um plano antigo da Defesa Civil: operar as estruturas remotamente.

Na barragem Sul, em Ituporanga, o acionamento hidráulico do canal extravasor também é uma necessidade. Além disso, as grades que protegem as comportas estavam danificadas e foram trocadas. O serviço deve ser concluído até quarta-feira. O Estado também deve receber em breve um sistema de informática que reúne dados do radar meteorológico e de barragens. A medida deve auxiliar na operação em momentos de crise e permitir a disponibilização de dados em tempo real na internet.

– Nas nossas vistorias, não tivemos nenhum risco constatado. Claro, se houvesse um rompimento, a destruição seria grande, mas por isso temos que estar com a manutenção sempre em dia. Estamos investindo, inclusive, para no futuro fazer sistemas e equipamentos que de lá de dentro deem sinais se há algum problema, para modernizar essas barragens – aponta o secretário Cordeiro Neto.

Mesmo com essa garantia e com o papel que cumprem na defesa de inundações, nas cidades em que as barragens para contenção de cheias estão instaladas as estruturas causam preocupação. Em Taió, durante uma enchente em 2011, um boato de que a barragem teria rompido fez pessoas deixarem as casas e procurarem lugares altos para se proteger.

– Toda vez que dá enchente, surgem esses boatos. Temos que ir atrás da fonte e depois começar a explicar que não é verdade – explica o coordenador de Defesa Civil de Taió, Jonata Retke.

 

Painéis que controlam as comportas da barragem Norte estão danificados

Painéis que controlam as comportas da barragem Norte estão danificados (Foto: Patrick Rodrigues)

 

Obras de elevação reforçaram capacidade

Há dois anos, as barragens de Ituporanga e Taió passaram por obras de sobrelevação. A altura do barramento lateral e do vertedouro foram aumentadas em dois metros, o que elevou a capacidade em quase 20% a mais do que o limite anterior. O secretário garante que essas obras foram feitas com estudos e acompanhamento da agência japonesa Jica e que não representaram nenhum risco a mais para as estruturas. Desde a sobrelevação, as barragens ainda não verteram – quando a água ultrapassa a altura da barragem.

O engenheiro hidrólogo Ademar Cordeiro, do Centro de Operação da Bacia do Itajaí-Açu (Ceops), ligado à Furb, explica que o peso da água é bem menor do que o do lodo com rejeitos e que a estrutura das barragens para controle de cheias de Santa Catarina tem melhores materiais, como concreto, e é melhor executada do que as de mineradoras de Minas Gerais.

Por isso, ele acredita que a chance de haver um acidente nessas estruturas é bem menor. Ainda assim, pontua que um risco mínimo sempre existe e que por isso é importante ter atenção com a manutenção, sobretudo na barragem de José Boiteux, que ele também considera a mais preocupante.

 

Vale do Itajaí tem outras 20 represas para gerar energia

Embora as três barragens do Alto Vale do Itajaí sejam as primeiras que os moradores locais lembram quando se fala de estrutura de contenção, a região do Vale do Itajaí tem 30 das 138 barragens de Santa Catarina cadastradas pela Agência Nacional das Águas (ANA). Desse número, a maioria é composta por unidades usadas para geração de energia em hidrelétricas.

É o caso das barragens do complexo do Salto, em Blumenau. Elas foram construídas em 1914 e estão entre as mais antigas de Santa Catarina. Essas estruturas e também as de Cedros e Palmeiras, em Rio dos Cedros, no Médio Vale, integram a lista de 44 do Estado que terão prioridade na fiscalização anunciada pelo governo federal nesta semana.

Todas elas têm risco classificado como baixo, mas o dano potencial em caso de acidente é definido como alto. Elas são feitas de concreto ou de terra com enrocamento e dispõem de plano de segurança, plano de ação em caso de emergências e passam por revisão periódica segundo o levantamento da ANA, elaborado em 2017.

 

Características das construções

Barragem Oeste

Local: Taió, no Rio Itajaí d’Oeste

Altura do vertedouro: 25 metros

Número de comportas: 7

Capacidade: 100 milhões de metros cúbicos

Conclusão da obra: 1973

 

Barragem Sul

Local: Ituporanga, no Rio Itajaí do Sul

Altura do vertedouro: 33,5 metros

Número de comportas: 5

Capacidade: 110 milhões de metros cúbicos

Conclusão da obra: 1975

 

Barragem Norte

Local: José Boiteux, no Rio Hercílio

Altura do barramento: 58,5 metros

Número de comportas: 2

Capacidade: 357 milhões de metros cúbicos

Conclusão da obra: 1992

 

Por Jean Laurindo

NSC Total

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