Pela estrada sinuosa de chão do bairro Baguaçu, em Apiúna, Sérgio Schmitt, 60 anos, chapéu de palha na cabeça, dirige lentamente o microtrator até a propriedade da família. É em uma área de 1,5 hectare, um aclive coberto por folhas verdes e já viçosas, que o filho Maicon Schmitt, 32, junto com a esposa Cristiane e mais dois vizinhos trabalham desde o amanhecer na colheita do fumo. Em pouco tempo, as 10 mãos vão carregar mais uma carga de folhas para levar à estufa.
Embora o fumo esteja na vida da família Schmitt há décadas, nos últimos três anos eles estiveram fora do cultivo. Maicon garante que o motivo foi a chegada de mais um filho e as outras atividades rurais. Nesse período, dedicaram-se à criação de suínos, bovinos e a culturas como milho e eucalipto que dividem os outros 34,5 hectares da família. Escaparam de uma das piores safras de tabaco dos últimos anos, em 2015/2016, quando a chuva fez cair em média 10% a produção nos três estados do Sul.
A lei do mercado é implacável: com o produto em escassez, as indústrias de cigarro tiveram que pagar mais. Isso empolgou outras famílias a voltar a apostar na espécie, na contramão de um movimento de saída do cultivo causada pelo êxodo rural das novas gerações. Segundo dados da Associação de Fumicultores do Brasil (Afubra), a quantidade de famílias produtoras em Apiúna e em 27 cidades do Alto Vale com plantação de tabaco aumentou de 10.796 na safra passada para 12.409 em 2016/2017 – alta de 14,9%. No Estado, o número foi de 42.530 para 45.150 (elevação de 6,1%). A área plantada também aumentou: de 84,7 mil hectares para 92,3 mil, acréscimo de 8,9%.
Quem plantou este ano deu sorte. Sem granizo nem chuva ou sol em excesso – um temporal atingiu Apiúna no fim do ano, mas os estragos ocorreram no Centro e livraram a área rural –, os produtores não escondem o otimismo ao falar da colheita. Meio sorriso brota até mesmo do rosto do reservado Maicon. Ele plantou 21 mil pés e espera conseguir uma produção de 250 arrobas (uma arroba equivale a 15 quilos) até o final da colheita, prevista para meados de fevereiro.
– A gente está animado, mas vamos ver como vai ficar o preço este ano – despista, ao temer uma possível desvalorização dos compradores em caso de muito volume, e completa:
– Tomara que valorizem o produtor.
Dias árduos na colheita
O trabalho na colheita de fumo é mesmo duro. Molhadas pelo orvalho da manhã, as folhas não têm odor tão forte, mas ainda assim podem ser nocivas. Luvas e uma proteção plástica, às vezes dispensadas pelo calor, têm a função de evitar o contato das folhas com a pele – a nicotina em excesso pode causar problemas como dor de cabeça, náuseas, tontura. Mas o esforço físico de dias inteiros sob o sol arrancando as folhas maduras por si só causa desgaste, mesmo em quem está acostumado com a lida.
Maicon, um dos poucos jovens da região que preferiram constituir família e permanecer no campo, minimiza as dificuldades e foca na expectativa da colheita do fumo, que, apesar das campanhas de combate e da diminuição de consumidores, ainda tem simpatia de alguns produtores pelas facilidades oferecidas pelas fumageiras (leia mais abaixo).
– Esperamos que todo esse trabalho dê um bom resultado – torce Maicon, com o desejo de que os preços oferecidos o façam voltar a encher com fumo as carrocerias na próxima safra.
Garantias acima das adversidades
Pela estrada geral do bairro Baguaçu é possível ver várias construções de tijolo aparente e chaminé nos fundos de casas. São estufas convencionais para secagem da folha de fumo, hoje desativadas ou pela saída das famílias do cultivo ou pela modernização dos processos.
A 16 quilômetros da BR-470, após cruzar um caminho de eucaliptos no topo de um morro próximo ao limite de Apiúna com Lontras, a fumaça indica que tem folha secando nas duas estufas de Ademir Comandolli, 49 anos.
A produção de fumo está nas lembranças de Ademir “desde que era pequenininho” – e ajudou a construir o patrimônio dele, da esposa Marilda e dos dois filhos, de 21 e 16 anos. O irmão Pedro, vizinho e servidor público, também é fumicultor. O tabaco plantado por Ademir já está mais próximo do tom maduro orientado pelas empresas de cigarro para a safra deste ano. Ele é considerado mais encorpado, com mais sabor e maior aceitação inclusive no mercado internacional, que absorve parte da produção catarinense.
Feliz com a ajuda de São Pedro durante o crescimento das folhas, ele confia em uma boa qualificação do fumo pelas empresas compradoras – o tipo mais valioso pode render até R$ 174 por arroba e o mais inferior, pouco mais de R$ 100. No ano passado, Ademir colheu 770 arrobas. Desta vez, plantou 70 mil pés e espera uma produção de cerca de 900 arrobas – a se confirmar, uma alta de 16,8%.
Ademir cria gado e tem milho plantado em outra parte da propriedade, mas não quer saber de trocar os cinco hectares de fumo por outro cultivo. Ele destaca o suporte oferecido pelas empresas de cigarro na hora do plantio e o compromisso de compra, garantias que alimentos nem sempre oferecem.
As estufas de Ademir são do sistema Loose Leaf (LL), que dispensa a amarração manual das folhas e reduziu muito as dificuldades da mão de obra para a cura do fumo. Após sete ou oito dias no espaço de secagem, o fumo vai para o estoque. Ali, onde finalmente o cheiro de cigarro domina narinas e pulmões, as folhas podem ficar cobertas por meses até serem amarradas na forma em que irão para a fábrica – as chamadas bonecas ou manilhas amarradas de 10 em 10 folhas.
Ademir não fuma e não duvida dos malefícios do cigarro, mas consegue advogar em favor de seu produto.
– Claro, a gente imagina que faz mal, mas é uma das plantas que menos vai veneno, se comparar com um pepino, por exemplo – defende.
Apesar disso, reconhece que longe das estufas o trabalho ainda é árduo e dá valor especial a cada centavo obtido com o fumo.
– A colheita ainda é a pior parte, a mais sofrida. Se a pessoa não tiver um bom preparo, sofre.
Produção no Alto Vale deve chegar a 72 mil toneladas
Apiúna é somente uma das cidades do Vale em que o fumo ainda ocupa espaço econômico importante. Na região do Alto Vale, onde 27 cidades têm cultivo de tabaco, a estimativa é de que de 60% a 70% da produção já tenha sido colhida.
A previsão é de uma produção de 72,8 mil toneladas, 41,5% a mais do que no ano passado, quando foram colhidas 51,5 mil toneladas na região. Se confirmada a projeção da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), o número equivale a quase um terço de toda a produção estimada para Santa Catarina, que é de 208,2 mil toneladas – 23,8% a mais do que em 2016, quando a produção foi de 168,1 mil toneladas. Segundo a entidade, a produção deste ano deve retomar o patamar da safra de 2014/2015, quando foram colhidas 224 mil toneladas em uma área de 99 mil hectares, um pouco maior que a atual.
Na próxima semana começa a compra das empresas fumageiras e, junto com isso, a disputa por um bom preço. Uma tabela de preços é fixada pelas indústrias de cigarros. A principal empresa do setor já anunciou um aumento de 8,35% na tabela – uma reunião no dia 17 deve definir reajustes das demais empresas. A negociação ocorre conforme a classificação de qualidade das folhas feita pelas empresas. As primeiras apanhadas, menos valiosas, têm sido vendidas de R$ 7 a R$ 7,40 o quilo, mas a expectativa é de que o possível excedente da safra não desvalorize a avaliação e que o preço médio fique um pouco acima dos R$ 10 o quilo.
As desvantagens de trabalhar com fumo estão explícitas no dia a dia dos produtores. Mas há outros pontos capazes de reter muitas famílias nas lavouras de tabaco. Um deles é a segurança. O instrutor das empresas fumageiras negocia insumos, adubo, semente e suporte ao produtor que faz o plantio. Há seguro contra perdas e, após a colheita, a empresa compradora busca o fumo na propriedade.
– É um mercado mais garantido. Se ele optar por outra cultura, como cebola, pode ficar à mercê do mercado, são produtos mais voláteis, que sobem e descem. O fumo dá mais estabilidade – compara o representante da Federação da Agricultura e Pecuária de Santa Catarina (Faesc) na comissão interestadual dos produtores de tabaco do Sul do Brasil, Francisco Eraldo Konkol.
A saída para muitos produtores é diversificar a produção com culturas como milho, cebola e batata salsa em parte do terreno ou nos períodos de março a julho, quando as áreas não estão ocupadas com o fumo. Um programa da Epagri inclusive incentiva o uso das áreas para atividades como plantio de milho e feijão.
– As empresas incentivam a diversificação porque permite que o produtor faça renda no terreno o tempo todo e também, com uma rotação de cultura, plantando um ano milho, no outro fumo, no outro feijão, acaba aumentando a produção. Monocultura é algo que quase não tem mais – garante o inspetor de campo da Afubra em Rio do Sul, João Paulo Roberti.
Produção de fumo:
Alto Vale
Safra 2016/2017
Famílias produtoras: 12.251
Hectares: 32.079
Produção: 72,8 mil toneladas
Safra 2015/2016
Famílias produtoras: 10.666
Hectares: 25.484
Produção: 51,5 mil toneladas
* Santa Terezinha (12 mil toneladas), Vidal Ramos (6,9 mil) e Ituporanga (6,5 mil) são as cidades com maior expectativa de produção de fumo no Alto Vale.
Santa Catarina
Safra 2016/2017
Famílias produtoras: 45.150
Hectares: 92.830
Produção: 208,2 mil toneladas
Safra 2015/2016
Famílias produtoras: 42.530
Hectares: 84.710
Produção: 168,1 mil toneladas
Fonte: Associação de Fumicultores do Brasil (Afubra)
Jornal de Santa Catarina